LaPalisse
quarta-feira, agosto 06, 2003
Olá amigos da blogosfera toda! Voltei! Tiveram saudades minhas?
Este frase saiu assim porque hoje fui à praia no carro do tio Zéca e da tia Graça e ele fez as duas viagens, a da ida e a da volta da praia a ouvir aquela música “Voltei, voltei, voltei de lá / Inda agora estava em França e agora já estou cá!”, muito alto, com os vidros todos abertos. O que vale é que eu desfiz o rabo de cavalo e o meu cabelo voava em todas as direcções para ninguém me reconhecer, mas depois, tive uma dor de cabeça enorme... Nem sei se a música é do José Malhoa ou daquele senhor que já faleceu, o Dino Meira. Mas que fiquei farta, fiquei! E depois, fiquei muito baralhada, porque a Nani que é a namorada do meu tio Zé, anda no12º ano e é de Artes, disse uma vez que o José Malhoa foi um grande pintor, que até pintava bem o povo e tudo e eu não percebo como é que agora ele anda por aí pelo país a cantar. Realmente, os cantores portugueses devem ganhar melhor que os pintores, pois é, esforçam-se mais, é isso! Transpiram, têm que vestir aquelas roupas apertadas, levam com bocas dos que pagam bilhete só para os insultar ou então, recebem elogios, como aquele “Ágata, quero ter um filho teu!” e no fim dos concertos, apanham muitos beijos e as pessoas gostam tanto deles que os lambuzam todos e tiram-lhes a maquilhagem e tudo. Eu nem quero pensar se um dia o tio Zéca apanha o José Malhoa, se bem que ele diz sempre: « - Eh, pá, que luxo! E a filha inda é melhor qu’ó pai! Eu sou o fã número um deles, ambos os dois!... Até gostava de conhecer a mãe! Convidava-os para ficarem lá na nossa casa da França, quando dessem um concerto p’rós nossos patrícios que andam lá fora a lutar pela vida, hein? Que achas, Graça? » A minha tia nunca lhe responde porque vai sempre a fazer crochet para oferecer uns paninhos à patroa lá de França. Eu nem sei como é que a tal senhora tem espaço para tantos paninhos, até fico confusa!! Como os franceses trabalham muito e têm sempre carreiras importantes, a minha tia farta-se de lhes limpar as casas. E o pior é que eles são dos povos da Europa que gastam menos sabonete e pasta de dentes e depois, sujam tudo no mesmo dia outra vez! A minha tia até já diz que está velha antes do tempo, de fazer a ménage! Eu ia tentando distrair-me mas a música estava sempre a tocar e eu já tinha vontade de lhes pedir para pararem e eu ir fazer chichi, depois corria para o carro dos meus pais e pedia para ir no meio dos cães que depois tomava banho no mar, mas os meus tios só diziam que estávamos a chegar...Eu bem pedi à minha mãe para vir com ela nesta viagem e não ter de ouvir o “Voltei, voltei”, mas ela e o meu pai já traziam o Black e o Decker atrás... O B. e o D. São os nossos cães. Eu conto a história dos nossos cães: há um tio-avô do meu pai que se chama tio António e que é muito rico porque a mulher era uma grande contrabandista e parece que ele tem um negócio em que vende um pó qualquer, e o filho mais velho até parece que trabalha muito porque anda no pó, como dizem cá em casa. Eu imagino-o sempre lá no meio dos operários a ajudar, cheio de pó. Será pó de cimento? Lá em casa, nunca explicam tudo, é triste não se conhecer a família, pois é. E depois, o filho mais novo dos meus tios é criador duns cães que têm um nome que lembra “dobrar” e “homem” em inglês, mas agora não sei como se diz. O tal primo do meu pai disse uma vez que estes cães até dobram um tipo e fazem uma sanduíche de carne e que esse tipo nunca mais voltaria a tentar assaltar na vida. Depois, riu-se muito e eu fiquei confusa. Quando eu aprender inglês na escola, eles vão ver! Vou perceber tudo o que dizem, pois vou! E depois, o tal primo explicou que como uma cadela fugiu e andou na rua, nasceram uns cãezinhos rafeiros. O primo do meu pai deu-nos os cães e como era o aniversário do meu pai e a minha mãe lhe deu uma bléquendéca (esperem aí que eu vou ali à garagem ver como se escreve em inglês, ok?...) Ah, já cheguei: é uma Black&Decker! Pois, é isso! Como eram dois cães e ninguém decidia os nomes certos e o meu irmão de cinco anos só dizia « - Ó pai, deixa-me brincar co’ a bléquendéca! », o meu pai ouviu aquilo e disse: « - É isso: estes meus filhos são uns génios! Os cães vão ser o Bléc e o Déquer! ». O primo do meu pai, que tem os olhos assim um bocado descaídos a lembrar o Garfield, o meu gato preferido do mundo inteiro!, ficou muito admirado, deu aos ombros e disse que estava bem, nós é que sabíamos e afinal, ele nunca saía connosco, não ia passar vergonhas, pronto, ficou assim. Eu é que tive de aturar o meu irmão a saltar e a dizer « – Fui eu que escolhi os nomes! Fui eu que escolhi os nomes! ». Às vezes, apetece-me fazer como o Diego do filme « Ice Age », o meu preferido de todos os tempos!, quando dá um piparote ao ratinho almiscrado da bolota e o atira para longe, assim como quem não quer nada... Aquele meu irmão é cá uma dose! Eu bem lhe digo que ele é uma das minhas pedras no sapato e que quando for famosa hei-de contar ao mundo como ele me tratava. Ele é de resposta pronta e diz sempre que antes quer ser uma pedra no chulé do meu sapato que nos meus rins, porque assim até pode saltar fora e depois diz « - Iachhhh, que nojo! ». Aposto que ainda nestas férias vamos andar à bulha e esse heróizinho de meia-tigela que parece um meia-leca vai parar à escola com um olho negro! Mas depois faço como os artistas: a Nani diz que « é preciso sublimar para criar » e que o facto de eu ter um blog já é uma prova de que eu sou um ser humano de eleição! Tomaláquejálmoçaste, maninho! A Nani é que me compreende! Digo-lhe sempre « - De todas as namoradas que já teve o tio Zé, tu és a mais fixe! ». Ela sorri e depois vai sempre falar com o meu tio para namorarem mais um bocadinho. Eles adoram-se, é isso! É giro, porque ela dá-lhe cotoveladinhas de amor e torce-lhe as orelhas e pisa-lhe os pés, que eu vejo tudo, e ele grita: « - Eh, pá, larga-me! És uma ciumenta! ». Os adultos é que são giros a namorar! Lá na minha escola, se alguém se aproxima dos rapazes, eles agarram logo as miúdas como se fosse um naufrágio e fingem que estão no Titanic, não são nada exigentes como os adultos, pois não, não!
Tenho andado a pensar em dizer quais são os melhores blogs do nosso país, mas depois acho que tenho que ler sempre os novos que aparecem e perco-me com tanta informação... Mas ainda hei-de fazer o meu topeténe, hei-de, hei-de!
Pronto, amigos, já disse muitas coisas novas sobre o meu mundo, “o mundo de Alice no país das maravilhas”! Agora vou lanchar um iogurte líquido e pão integral, que eu quero manter a linha para quando chegar a modelo internacional. Ah, é verdade! Ontem, a minha mãe comprou daquele chocolate de pôr no pão. Vou ver se ainda há, antes que o meu irmão o esconda para comer durante a noite!
Chau amigos! Usem protector solar e bebam muita água, ok? É preciso cuidar da pele!
E à noite, nos calcanhares, joelhos e cotovelos, muito creme Nivea da latinha azul, ok? E não liguem se os lençóis se colarem! É sinal que hidrataram a pele! Durmam bem!
Se eu puder, amanhã apareço por aqui, ok? Gosto muito de vocês todos! Chuáque!
terça-feira, agosto 05, 2003
Olá, colegas da blogosfera!
Hoje viemos mais cedo da praia e muito antes da hora do almoço por causa do buraco do ozono! Ele é muito perigoso! Como somos todos branquinhos de pele, temos de fugir do sol, senão apanhamos cancro de pele, ah pois é! (O cancro de pele “apanha-se”? Será que ele anda assim no ar e depois nos cai em cima como uma nuvem de pó? E depois, será que apanha vários ao mesmo tempo ou só atinge os mais despidos? Não percebi isso do “apanhar” naquelas frases de um senhor que é jornalista e que o outro senhor que é político gabou: “Ainda há homens assim!” Assim como? Jornalistas? Que sabem que vão morrer? Que gostam da liberdade? (Eu sei essas coisas todas, só não sou é jornalista, pois é, sou pequena...)
Já toda a família tomou banho e está pronta para outra tarde de conversa nas traseiras da casa. Eu esperei que o meu tio Zé afixasse os posts no blog dele e lesse os dos outros todos que ele costuma ler. Ele fartou-se de dar murros na mesa, coitado do tio Zé... Diz que isto é nojento e « retrata bem o país idiota que temos » , que não importa se fazemos coisas boas, o que importa é termos amigos que nos apresentem à sociedade. « Parece o baile de debutantes da Casa da Áustria! », dizia ele. Eu quis perguntar o que era isso, mas ele estava tão bera que nem me deixou tentar... Ele foi dizendo o que achava da blogolândia e eu, sem ele saber, vou falar disso aqui para ver se os outros adultos desta esfera reparam mais nas figuras de urso ártico que fazem às vezes... Então eu vou explicar a razão das dores de estômago do tio Zé nestas férias grandes. Acho que não perdi nada do que ele disse, porque escrevi só as palavras-chave, como nos jogos de palavras com os meus primos e depois, fiquei muito atenta, a tentar perceber de que falava ele entre os murros na mesa.
Primeiramente: o tio Zé é um rapaz muito orgulhoso e decidiu há muito tempo apagar o contador de visitas do blog e a namorada dele, a Nani, fez igual. Depois, um mocinho que lia os posts da Nani e se derretia por ela, estava-se logo a ver, decidiu fazer o mesmo: copiar a coragem dos outros. Vai daí, o tio Zé confirmou: teve a certeza de que os poemas que o outro escrevia eram para a Nani, até porque ele escreve e põe os smileys a piscar o olho e segue tudo o que ela escreve, usa os mesmos temas e depois finge que escreveu aquilo há dois ou três anos... Depois, aparece com umas coisas muito futuristas, cheias de fúria, “como se a palavra poesia fosse invenção dele” (isto é o que grita o tio Zé sempre que dá um murro na mesa). Então agora, umas senhorecas muito vaidosas que escrevem uns posts noutro blog decidiram gabar o mocinho por ele ter sido um herói e ainda por cima, dizem que o tal escreve bem (!), quando o tio Zé diz que “ele dá graves erros de ortografia, de sintaxe e até de semântica” (esta última, ainda não aprendi na escola o que quer dizer, mas não faz mal que o tio Zé tinha 19 a Língua Portuguesa e eu sei que ele sabe muito disso!)! Ora então, o tio Zé disse à Nani : « - Vês, Nani, tu pensas que este meio é de gente inteligente e bem intencionada, que até lê umas coisas, que dá o devido valor a quem o tem, mas enganas-te e dou-te exemplos: só gabam quem lhes escreve mails a gabar o que eles próprios fazem, sempre que alguém discorda um milímetro (foi essa a palavra, milímetro) do que dizem e se tinham linkado (eu gosto desta palavra nova, é bué gira!) o teu blog, retiram-no logo, ficam ressabiados, democracia e liberdade de expressão, uma ova! (disse ele, já mesmo muito enervado e a Nani ia dizendo: « - Tem calma Zé, relativiza isso... »), e depois (continuava ele), ignoram ostensabiamente...? ostensóriom... (esta tive de ir ver no dicionário, mas depois, perdi-me...) o que quer que escrevas mesmo que valha diamantes: não és “amigalhaço”, claro! A cartilha é de outra cor, pensam eles! ». A Nani dizia que sim e ia fazendo festinhas no braço do tio Zé, enquanto eu suava para escrever debaixo da mesa quase tudo o que ele dizia para depois não me esquecer de dizer aqui, que quem faz mal ao meu tio Zé, faz-me mal a mim!
(Agora vou reler o que escrevi, porque estou perdida nos argumentos do tio Zé... Eu já continuo, ok, amigos?... Ah, pois, era isso...)
Segundamente, há uns muito conhecidos lá em Lisboa (o tio Zé diz que é o centro do universo: « O deles, que pensam que têm qualidade de vida mas morrem mais cedo e são muito mais infelizes que o resto do país. Depois, pronto, podem sempre dizer que trabalham muito, que eles é que sabem, que criaram a cultura, que os outros não leram, não conhecem, não querem saber, não dão valor, etc, etc, etc. » O tio já viveu lá em Lisboa e diz que aquilo é uma desgraça total... Quando há fogo, até dizem «- Deixa arder, não é cá!» ) e os tais conhecidos dizem umas coisas muito difíceis, muito estranhas, como se tivessem inventado agora mesmo a tal pólvora e todos os outros, muito tolinhos, concordam com tudo, tudo, tudo. Falam de livros assim muito esquisitos, que não interessam para nada e que os outros lêem sem perceber nada mas depois falam daquilo e que anda meio mundo a enganar outro meio... E ficam todos muito ofendidos se se pensa diferente, como se o mundo deles se esvaziasse, assim como a bola de praia da Céline quando bateu naqueles picos dos cardos da duna e se foi esvaziando até ficar murchinha e já não se poder jogar mais vólei na praia. Isso deve ser chato, principalmente se a bola forem os orgulhos dos tais senhores muito importantes, porque depois, « perdem a face » (isto aprendi quando fui daquela vez à Assembleia da República: era tudo a ler, a rir e a receber telefonemas e o Chico-Zé até viu dois deputados a dormir e disse muito alto: «Olhe, stôra, aqueles tão p’ráli a pesar figos, que cansados! Isto é que é gostar do país!... » A stôra tapou-lhe logo a boca, mas alguns ouviram e olharam para trás e o polícia que lá estava fez shhh, mas riu-se até ficar roxo, que eu vi, o palerma, e só dizia ao colega quando saímos :« O rai’ do miúdo, hã?...»).
No fundo no fundo, o que eu percebi é que todos dizem muitas coisas mas o país não avança nadinha... Hoje, a avó Manuela até esteve duas horas na fila da Caixa Geral de Depósitos para abrir uma conta e depositar o dinheiro que trouxe da França e disse: « O Portugal é sempre a mesma merda, bah didon! Justamente, está como quand’ eu cá vivi, iliá vint’ anos, hein? ». Eu fiquei cheia de vergonha e a Céline fez-me uma careta. Decerto os franceses grandes também se riem muito do nosso país quando chegam cá. Lá em casa, dizem que só há mais cimento, muito dinheiro, mas mal “canalizado”. Eu achei esquisito que se canalize o dinheiro, mas depois percebi: é o multibanco, porque aquilo deve ser um canudo e depois quando pomos lá o cartão e o código, deita o dinheiro todo cá p’ra fora. Depois, as pessoas gastam muito nos saldos, nas viagens, nas noitadas, nos telemóveis e nas esplanadas e o frigorífico fica vazio lá em casa, pois é... Depois não há energia para trabalhar, vê-se quando são os feriados do novo ano, metem baixa antes das pontes e o país é tudo um bando de preguiçosos e lá em Bruxelas falam muito mal de nós... Parece que somos os piores e que até a Grécia vai à frente na corrida... Pudera, até foram eles que inventaram os Jogos Olímpicos e tudo!... E se não se é bom naquilo que se inventa, vai-se ser em quê? Mas voltando ao dinheiro, eu nem percebo para que vão as pessoas aos saldos se hoje anda toda a gente nua por aí... Parece o Brasil. Até as senhoras que vão ter bebés mostram o peito todo da raiz até à ponta, o umbigo, as pernas até lá acima, tudo. Agora, andam com as barrigas de fora, pois é. No outro dia, eu até perguntei a uma senhora grávida que estava a fumar e a beber cerveja na esplanada enquanto o filho de três anos sujava a montra do café com as mãos e o gelado se os raios de sol que entram pelo buraco do ozono não faziam mal ao bebé e se ele não tossia lá dentro com tanto fumo. Depois, a minha mãe arrastou-me dali e pediu desculpa à senhora e em casa ralhou-me muito... Disse que eu era importuna e que nunca, nunca me metesse « com góticas de unhas de porcelana com amigas tingidas de loira »! Eu é que não percebi nada! Os adultos são injustos! Afinal, para que vamos nós à escola? Não é para aprender a pensar?... E o tal espírito crítico que até dizem que é o desporto nacional número um?... Observar é normal. Eu tenho olhos, não tenho?...
Agora, tenho de me ir embora que até já estou cansada... A Nani corrige os meus erros que ela já anda no 12º ano! Ela prometeu não dizer nada ao tio Zé sobre o meu post. Decerto, ele ia embirrar comigo... A minha mãe está a chamar ali da cozinha para eu ir lanchar que já são quase cinco horas! Que bom! Eu adoro lanchar! Hoje, é leite com chocolate e pão com manteiga e compota de frutos silvestres que a tia Graça trouxe da França! Depois, vou ver os bonecos da televisão! As minhas férias grandes estão a ser mesmo boas, pessoal!
Até qualquer dia aqui na blogolândia! E não se esqueçam: protejam-se, usem protector solar sempre, ok? Ah! E se puderem, não ponham o meu país a arder, ok? Chau, amigos! E não façam como o tio Zé: divirtam-se e sejam espertos que a inteligência no nosso país traz muito sofrimento!
domingo, agosto 03, 2003
Olá, amigos!
Já tinha tantas saudades do meu blog!
Tenho ido à praia, que é aqui a 15 Kms. Ao princípio, eu disse que antes queria ficar aqui em casa a escrever no meu blog, mas a minha mãe disse que ou eu aproveitava agora o Verão, ou ia ter de ir à praia no Inverno... Como deve ser chato estar ao pé do mar com todo aquele vento e chuva e nem se pode apanhar sol por haver muitas nuvens, fui a correr vestir o meu fato de banho rosa-choque que está na moda e ajudei a arranjar o farnel! Hoje, saímos muito cedo e, quando chegámos à praia, parecia que ia chover e até ouvimos trovões e vimos relâmpagos sobre o mar. Isso é giro, mas é naqueles filmes de acção, quando a tempestade mostra logo que o bandido vai voltar a atacar a família boa... Digo sempre, emocionada: « - Cuidado, estúpidos, ele vai voltar! Vê-se logo, com aquelas faíscas todas!... ». O meu pai, que é mais calmo, diz sempre: « - Ó Alice, pá, tu não vês que aquilo é tudo feito?... ». Que deve ser feito, deve, mas... Tem de ser sempre igual? O tio Zé até concorda comigo e diz: « - Estes americanos são tão infantis, prinvisíveis, não... previsíveis... O cinema europeu é que é bom! Mas enfim, não é ódio, não... ópio para o povo, ensina a pensar, pois é... » é isso que ele diz, quando o bem vence sempre e aparece a bandeira dos americanos a flutuar sobre as casas no fim de um filme. É um bocado repetitivo, pois é... Mas eu gosto, quando os bons vencem! Às vezes o tio Zé é muito confuso. O avô diz que tudo está bem quando acaba bem, e isso é que é importante num filme. Há que castigar os maus!
Vou voltar a falar da praia. Então, eu disse à minha mãe que para ir à praia com manhãs de Verão que pareciam de Inverno, mais valia ter ficado a escrever o meu blog... Ela olhou para mim de olhos arregalados, estática e a espumar, o que quer dizer que a dose de paciência disponível para o dia já estava quase esgotada... Amuei, sentei-me num canto duma duna, de braços cruzados e de má cara, a ver se as duas tormentas passavam: a do mar e a da minha mãe, embora a minha mãe seja mais assustadora, porque as faíscas caem e depois vem bom tempo, mas a minha mãe, ainda tenho de viver com ela até aos 18 anos, quando eu for para a universidade e me tornar uma modelo internacional famosa que também é bailarina, escreve letras de músicas, tem um namorado cantor, apresenta programas, é actriz, ajuda os pobrezinhos e ainda quer escrever livros um dia... É por isso que escrevo: para me treinar! Eu um dia ainda hei-de ser famosa, ai hei-de, hei-de!
Hoje estou um bocadinho triste porque o meu país está a arder. Todos falam disso, vêem-se sempre as mesmas chamas na televisão, toda a gente corre muito quando o fogo já lambe as casas, mas é sempre tudo igual... Sempre igual. Nunca mudou nada. Nunca vi a tal notícia do julgamento dos tipos que pegaram fogo para agradar a senhores poderosos que lhes pagam bem. Cá em casa, quando os adultos falam, dizem que são os madeireiros. Se toda a gente sabe quem são, não os prende por quê? Ou é isso, ou há muitos piréticos, pirómaniéticos... Como é que diz o tio Zé? Piromaníacos, é isso! Como querem que eu vote, um dia? Não vale a pena... Está sempre tudo igual, nada muda... Os senhores que mandam no país devem andar muito distraídos, pois devem... Se fosse eu, era logo castigada, mas os adultos são estranhos, gostam de sofrer muito. Deve ser para poderem queixar-se à Comunidade Europeia e terem um subsídio novo, só pode ser isso... Digo eu, que sou pequena...
Lá em casa, todos dizem que faço muitas perguntas e só o avô é que me compreende. Ele defende-me e diz: « - Deixem a miúda. Quem pergunta, quer saber! ». Eu gosto muito do avô, embora ressone muito à noite e não me deixe dormir nada. De manhã, todos me chamam dorminhoca... Eu aguento, porque sei que valeu a pena ficar toda a noite a ler livros. De manhã, é só apagar a luz e ler com o dia. A minha mãe ainda não percebeu as contas grandes de electricidade... Se ela descobre, vou ser famosa aos dezoito anos e poder falar mal da mãe tirânica que tem ciúmes do meu sucesso e me estragou a infância, pois claro, porque já sabia que eu nasci para brilhar! Temos de ter uma infância terrível, para sermos famosos, ou então, ter amigos que nos apresentem à sociedade e digam: « - Senhor director, esta é a Alice, bonita, sensível, canta bem, é boa actriz, tem presença, tem perfil, escreve ainda melhor e, pode-se sempre arranjar-lhe uma infância infeliz. Veja lá o que é que se pode arranjar, sim? ». O tio Zé, que anda na universidade, diz que é assim que o país funciona: à força do «factor C». Parece que é uma vitamina inventada por um senhor Cunha, muito famoso no país. Mas eu acho que o tio Zé tem ciúmes de quem tem “amigos com nomes” como ele diz... Mas então nós não temos todos um nome? Esta é a parte da conversa em que me perco quando os adultos se alteram e discutem contra o país e começam a falar de corrupção... Então, eu vou ver bonecos e fazer a minha refeição favorita do dia: o lanche!!! Hoje, é pão com chocolate e leite com adoçante, que eu quero estar em forma quando for famosa aos 18 anos! Chau, amigos! Eu vou dando notícias, a não ser que a minha mãe me obrigue a ir à praia todos os dias... Nesse caso, só darei notícias no dia seguinte a esses, ok?
Agora, para mostrar que estou na moda: “... Continuação!” (não percebo o que significa, mas é o que se diz quando nos despedimos. Até os jornalistas da televisão já dizem!).